O ESPECTADOR INVISÍVEL, IMPARCIAL & ESPECTRAL
(RODRIGO LIRA’S FRONTISPIECES)
Se há um Projeto de Obras Completas de Rodrigo Lira, deveríamos começar pela primeira ou segunda parte? Eu começaria a falar do cachorrinho ou do cão morto, antes que de Rodrigo, quando alguém tem um angustiante caso de solteirismo não deveria reparar que na rua se tornou cachorro ou que as açucenas da esquina ardem em perfume e sexo, o cachorrinho tem o pelo acabado, e como nele é costume não cuida nem se perde na intersecção de nenhuma avenida, esse cão – nem magro nem gordo nem negro nem azul – só olha os transeuntes perdendo seus passos e seus olhos, e se esses olhos rolassem pela pista como bolinhas de gude, os cachorrinhos ou os cães mortos só veriam sangue e um rebanho trôpego rumo ao matadouro; mas os cachorrinhos têm raiva e tremem e temem que os guardas os prendam, suas babas são imparciais e frias, suas patas estão quebradas, não podem gritar, já não perseguem gatos, ratos ou borboletas, só veem os transeuntes passando lendo poemas ecológicos sem lógica, esses cachorrinhos peludos e babões pintam com seus rabos milhares de aquarelas cheias de peixes e pombas enlatadas, quando têm fome já não podem ir ao supermercado atrás da comida da moda, se arrastam e só veem e não querem ser o cão esfolado de Varela, só atinam em mordiscar o ar – névoa que se confunde com a carne do cão nas manhãs em que vou pegar o jornal, e justo aí me encontro com a azul-celeste cor valium de teus olhos bem lustrados –, essa piada é tua Beleza em toneladas quilométricas ou são meus olhos que já caíram e são imparciais, espectrais e invisíveis.
Tradução: Diana de Hollanda
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